A Difícil Missão de ser Ambidestro
Muito bem amigos da Mão Esquerda, é chegado o Equinócio de Outono no Hemisfério Sul e comemora-se o verdadeiro réveillon já que o Sol ingressa em Áries e portanto é o Equinócio de Primavera no Hemisfério Norte. E essa é uma questão bastante chata na Astrologia assim como a questão que vou aqui tratar. Mas não vou tratar do Eixo das Ordenadas – Vertical, mas o das Abscissas – Horizontal.
Como assim, Tinhoso? Bem, da mesma forma que a questão dos hemisférios é pano pra manga pra discussões homéricas acerca da validade ou não das efemérides astrológicas para o Hemisfério Sul, a questão da Mão Direita e da Esquerda também o faz; mas não apenas no âmbito da Direita de satanizar a Esquerda, mas no da Esquerda de invalidar a Direita. Um outro autor brasileiro deu uma resposta muito fortuita e assertiva: “São apenas duas mãos do mesmo corpo”. E mesmo a neurociência já desmentiu a ideia de que cada hemisfério do cérebro é responsável pela razão e emoção de forma distinta, e enquadrou essa asserção na categoria de “neuromito” como eles chamam em um de seus jargões.
“Mas e…?!” – você começa a se perguntar daí onde está lendo enquanto coça o occipício, vulgo cocuruto, local por onde entra o orixá e onde os judeus usam o quipá, vulgo solidéu. “Mas é!” – eu respondo daqui do texto. Quando começamos a estudar os paranauês, pelo menos na Mão Esquerda e principalmente na Magia do Caos, “aprendemos”, ou pelo menos somos convencidos a não acreditar em direita ou esquerda, já que “a esquerda da plateia é a direita do palco e vice-versa”. Mas quando se trata de julgar os adeptos e praticantes deste ou daquele caminho, isso não acontece, embora ambas as serpentes, Od e Ob se encontrem lá em cima, em Aur. Talvez julguemos assim porque somente lá em cima, no Macrocosmo, não há dualidade. Aqui embaixo, as leis são diferentes. E, olha! Não é que falei das Ordenadas?
Uma vez um ex-colega de turma mencionou – vociferou, melhor dizendo: “Eu tenho um lado!” – ao que respondi: “Não, você tem dois! Todo mundo tem…”, para então constatar seu semblante atônito, como que caindo a ficha. Sim, meus caros. E é isso o que Crowley, Jung e uma pá de mano nos ensina. (“Mano” é sinônimo de frater, ué! E é “Mão” em espanhol). Senão, não conseguiríamos andar nem juntar as mãos e dizer “Amém!”, essa clássica palavrinha que é a junção das três letras hebraicas Aleph, Mem e Nun. Temos dois lados – e, perdoem a blasfêmia thelemicaoísta, graças a Deus!
O motivo de eu estar aqui batendo tecla é que tem me incomodado o fato de a galera “das trevinhas” desdenhar das “haribozices”. Sim, esse povo que faz pose de “evoluído” pra postar nas redes sociais e olha com olhar de desaprovação para quem não é de suas vertentes, também me irrita. Os que dizem “Gratidão” pra tudo (como os crentelhos dizem “Amém” e “Graças a Deus” pra tudo), também me irrita. O problema é que eles não têm culpa – e não estão de todo errados.
“O quê?!” – Sim, amigo Trevosinho da Estrela! “Todo Homem e Toda Mulher é uma Estrela (…)”, mas nem todas são trevosas – e cada uma tem sua órbita! E faz parte dos princípios thelemicaoístas respeitar a Vontade alheia. Assim como as vertentes mais trevosas são pálidas dissidências de Thelema, as vertentes mais “hariluz“ o são das vertentes da Mão Direita.
A ideia de Mão Esquerda e Mão Direita vem do Vāmācāra Tantra (Tantra da Mão Esquerda) e do Kaulācāra Tantra (Tantra da Mão Direita); a primeira, diz respeito a deificar o que é comumente visto como demoníaco: “(…) comeis ricas comidas e bebeis vinhos doces e vinhos que espumam! Também, tomai vossa fartura e vontade de amor como quiserdes, quando, onde e com quem quiserdes!”; ou, como diria Menudo: “Não se reprima!”.
A segunda, diz respeito a restrições, disciplina, castidade e todo aquele “Sim, senhor!”, que desprezamos. Como disse Eliphas Lévi em Dogma & Ritual da Alta Magia: “A diferença entre o Feiticeiro e o Mago, é que o primeiro se dá ao diabo, enquanto o diabo se dá ao Mago.” Mas até Lévi cita a transação com o capiroto. Enquanto isso, Aiwass decreta: “Obedeceis ao meu profeta! Segui os ordálios do meu conhecimento! Buscai somente a mim!”. A esquerda também tem suas restrições. Enquanto o povo das trevas repudia qualquer coisa florida e bonitinha e o povo da luz o faz com qualquer coisa que não seja linda e fofinha, há os que percebem o ponto de intersecção entre ambas e conseguem agarrar as duas serpentes como Hércules o fez ainda no berço.
Quando jovem – e não sou tão velho assim – e adolescente trevoso, percebia que headbangers (vulgarmente chamados “metaleiros”) e góticos odiavam tudo o que era bucólico e parnasiano, enquanto a galera hippie, rastafári detestava (e ainda detesta) a obscuridade. De um lado, coturnos, jaquetas de couro e H.R.Giger; do outro, sandálias franciscanas, miçangas e Frida Kahlo. Fora o povo punk e a galera do hardcore, cética e debochada com tudo o que dizia respeito ao oculto. Coitados, todos aprisionados a Malkuth!
Foi aí que, aos vinte e poucos anos, tive oportunidade de conhecer a cena Trance: “darkzeira” zen e colorida – Bugou! Sigilos, Tarô de Thoth, Baphomet representado de forma clean… mas também Reiki, Yoga e o Calendário Maia: um sistema de astrologia geomântico que em muito se assemelha ao Feng Shui. Tudo isso sob a Luz Negra que nada mais é do que a representação do Ain Soph. Não, não sou jovem místico e, como disse no parágrafo anterior, não sou jovem. Mas a cena trance também tinha e tem suas subdivisões: o Dark Trance, com grupos como Baphomet Engine e Winterdemon também repudiavam a “haribozisse” e o chamado Trance Progressivo que também parecia preso a Malkuth.
Capa do álbum Holotrope, do DJ Bluetech
Muitos anos depois, tive a oportunidade de assistir ao pai do Trance, Goa Gil. Se Alan Moore fosse um DJ, seria ele. Após deixar a rave, conversando com um casal de amigos, eu disse que o trance nada mais era do que o cyber Daime, visto que, os princípios são os mesmos: uma música ininterrupta, a santa eucaristia através de psicotrópicos e o fito de se atingir um mesmo fim, mediante um transe neuroquímico. Apenas um é bucólico e outro, cibernético. Como resposta tive o silêncio de ambos enquanto se entreolhavam com riso nos cantos das bocas. Não me admira que muita gente assista, leia e ouça muita coisa e eleja um político duvidoso. Não conseguem assimilar nada do que leram, ouviram ou assistiram. Ou, como disse Eliphas Lévi: “(…) se apegam à Letra, mas esquecem o Espírito”.
O Santo Daime, por sua vez – e me refiro ao culto porque há outro que utiliza a ayahuasca, a UDV (União do Vegetal) – parece estar na linha divisória entre o Æon passado e o atual, já que, em suas práticas, ao utilizar a cannabis, menciona: “Sol, Lua, Estrela”, cada palavra intercalada por uma ingestão. Os três Atus do Tarô de Thoth: XIX (Sol), XVIII (Lua) e XVII (Estrela) na ordem inversa, mas também a carta A Lua representa o signo de Peixes e a Estrela, o de Aquário, dramatizando a passagem dos equinócios.
O próprio feitio da substância se dá pelos homens macerando o cipó (símbolo fálico) e pelas mulheres macerando a flor (símbolo ginecológico). A alquimia simbolizada pelo Atu XIV, A Arte, caminho que liga a 9ª sephirah, Yesod à 6ª, Tiphareth, através do caminho . Por outro lado, experiências com a fotografia Kirlian revelaram uma ausência da aura nos praticantes enquanto sob o uso da substância, tornando-os suscetíveis a quaisquer influências externas. Não estou demonizando o Daime, muito pelo contrário.
Certa vez, ouvindo a um relato, o mesmo mencionou que não havia se sentido muito bem durante o procedimento, mas que também não havia tomado todas as doses como manda o figurino. Podemos culpar ao culto ou o procedimento não foi feito por completo? Podemos dizer que ele tinha “energia ruim?” – ou o procedimento não foi realizado por completo?
Outro relato de um antigo irmão de uma ordem da qual fiz parte me revelou que, ao ir a um centro de umbanda, a mãe de santo e a entidade que incorporava, que não sei qual era, lhe disse que, ao olhar para ele, via tudo opaco – só via trevas. Ele argumentou, não sei se com ela, que, quando se atinge a iluminação, aqueles que estão de fora se ofuscam. Mensagem do SAG ou simplesmente relato umbigocêntrico?
Antigamente, antes do advento da moda hip hop e toda o boom da cultura afro, tudo o que dizia respeito a isso era posto de lado e hoje, nem quem lida com runas se atreve a falar mal com o medo de ser taxado de racista. O mesmo não acontece com quem é da vertente afro, que raramente quer saber da cultura celta, nórdica e afins. Ambos não parecem perceber, por exemplo, que o Vegvisir (a bússola viking para que ninguém se perca), e principalmente o Ægishjálmur, se parecem muito com o ponto riscado de Pomba Gira Menina. E o Ægishjálmur possui oito trigramas como o Pa Kua do Feng Shui. E a própria Yggdrasill não deixa de ser uma Cabala Viking.
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À esquerda, Ægishjálmur; à direita, o ponto riscado de Pomba Gira Menina
Isso mesmo! Joseph Campbell aplaude e Carl Jung cofia seus bigodes. O Feng Shui não é caô e nem é apenas para se “harmonizar ambientes”. Isso surgiu após a criação da Escola do Chapéu Negro, por Thomas Lin Yu. Recomendo a leitura do livro Feng Shui, do arquiteto mineiro Carlos Solano, que correlaciona a prática chinesa à arquitetura orgânica da Antroposofia. Ah, mas vai falar de Thelema pra galera da Antroposofia? Você é considerado “Arimânico”, um epíteto para satânico, derivado de Ahriman, do zoroastrismo.
E esse é o ponto onde quero chegar, se você teve saco pra me ler até aqui: Thelema mesma é um sincretismo. Vemos o I-Ching citado no Liber 777 , a prática de Yoga em suas diferentes vertentes à medida que se avança nos graus, egiptologia… Crowley nunca teve contato com civilizações pré-colombianas (os “nossos egípcios”) e, como inglês, bebeu muito da fonte dos indianos. Se dermos um pequeno passo atrás na história e verificarmos o enoquiano, veremos que sua pronúncia é bem… britânica.
É isso, amigos, amigas, irmãos e irmãs, ou eventuais leitores: não desdenhem de quaisquer práticas por mero preconceito. Feng Shui, Calendário Maia ou até Constelação Familiar. Por que não? As críticas que vejo são de que tais práticas seriam mero charlatanismo e que não teriam prova científica. Mas Thelema, tarô, astrologia, búzios, runas… também não têm. Não precisamos de comprovação científica, não precisamos de “porque.” “(…) seja ele condenado como um cão!”. Mesmo que não seja da sua religião, sincretizem. Feliz Equinócio!