As Táticas da Magick
A ideia mais importante do Livro da Magia Sagrada de Abra-Melin o Mago é a fórmula aparamente simples “Invocar muitas vezes.”
Na Teoria do Comportamento, de Pavlov, Skinner, Wolpe. etc., a forma mais conseguida de tratamento para as chamadas doenças mentais pode muito bem ser resumida em três palavras semelhante: “Reforçar muitas.” (Para todos os efeitos práticos, “reforçar” significa aqui o mesmo que o termo do leigo “recompensar”) A essência da Teoria do Comportamento é recompensar o comportamento; a medida que se sucedem as recompensas, o comportamento desejado começa ocorrer com cada vez maior frequência, “como por magia.”
Como todos sabem, a publicidade baseia-se no axioma “Repetir muitas vezes.”
Aqueles que se consideram “materialistas,” e que julgam que o que o “materialismo” lhes exige a negação de todos os factos não conformes com a sua definição de “matéria”, sentem-se naturalmente relutantes em admitir a lista extensa e bem documentada de indivíduos que foram curados de doenças graves por essa forma de magick tão vulgar e absurda conhecida por ciência cristã. Não existe nenhuma diferença essencial entre a magick a Terapia do Comportamento, a publicidade e a ciência crista. Todas elas podem ser condensadas na fórmula simples de Abra-Melin, “Invocar muitas vezes.”
A realidade é termo-plástica e não termo-estável. Ela não totalmente disparatada, corno o senhor Paul Krassner certa vez afirmou, mas encontra-se omito mais perto disso do que geralmente supomos Se nos disserem vezes suficientes que “Budweiser a rainha das cervejas,” a Budweiser acabará por saber um nadinha melhor e talvez mesmo multo melhor do que antes desse encantamento ter sido lançado. Se um terapeuta do comportamento a soldo dos comunistas o recompensar de cada vez que você repetir um slogan comunista. você começará a repeti-lo mais veres, passando a aproximar-se do mesmo tipo de crenças que os cientistas cristãos usam para os seus mantras. E se um cientista cristão repetir para si próprio todos os dias que a sua úlcera lá desaparecer, ela desaparecerá mais rapidamente do que sucederia se ele nunca se tivesse enjeitado a esta campanha caseira de publicidade. Finalmente, se um mágico evocar vezes suficiente o Grande Deus Pã, o Grande Deus Pã acabará por surgir, do mesmo modo como o comportamento heterossexual a surgir em homossexuais que estejam a ser tratados (alguns diriam maltratados) através da terapia do comportamento.
O oposto e recíproco de “Invocar muitas vezes” é “Banir muitas vezes”
O mágico que deseje uma manifestação de Pã não apenas invocará Pã direta e verbalmente, como também criará ambientes de Pã no seu tempo, reforçando as associações com Pã em todos os seus gestor, e usando peças de mobiliário, cores e perfumes associados com Pã, etc.; mas também banirá verbalmente todos os outros deuses, através da remoção das mobílias, cores e perfumes associados com eles, banindo-os também de todos os outros modos possíveis. O terapeuta do comportamento chama a este procedimento de “reforço negativo” e, ao tratar um doente com, a fobia dos elevadores, não apenas reforçará (recompensará) todas as situações era que o paciente andar de elevador sem evidenciar terror, como também reforçará negativamente (castigará) todas as indicações de terror evidenciadas pelo doente. Evidentemente, o cientista cristã usa mantras ou encantamentos que, simultaneamente, reforçam a saúde e reforçam negativamente (afastam) a doença. Dum modo semelhante, um anuncio publicitário não apenas motiva o consumidor para o produto do patrocinante, como desencoraja também o interesse por todos os “falsos deuses,” reduzindo-os à desprezada e desprezível Marca X.
O hipnotismo, o debate e inúmeros outros jogos apresentam todos o mesmo mecanismo: Invocar muitas vezes e Banir muitas vezes.
O leitor que estiver interessado em alcançar uma compreensão mais profunda desta questão poderá consegui-la aplicando na prática estes princípios. Faça esta experiência muito simples. Durante quarenta dias e quarenta noites, comece cada dia invocando e glorificando o mundo como se ele fosse uma expressão das divindades egípcias. Recite de madrugada:
- Abençoo Ra, o brilhante e quente sol
- Abençoo Isis – Luna na noite
- Abençoo o ar, o falcão de Hórus
- Abençoo esta terra em que caminho
Repita ao nascer da Lua. Prossiga durante os quarenta dias e quarenta noites. Garantimos sem quaisquer reservas que, no mínimo, o leitor se sentirá mais contente e mais em casa neste canto da galáxia (e compreenderá também melhor a atitude dos índios para com o nosso planeta); no máximo, obterá recompensas muito para além das suas expectativas, convertendo-se ao uso deste mantra para o resto da sua vida. (Se os resultados forem excepcionalmente bons, poderá mesmo começar a acreditar nas antigas divindades egípcias.)
Uma seleção de técnicas mágicas incapazes de ofender a razão de qualquer materialista pode ser encontrada em You Are Not the Target (que poderoso mantra é este título!) de Laura Archera Huxley, Gestalt Therapy de Perls, Hefferline e Goodman, e Mind Games de Masters e Houston.
Evidentemente, tudo isto se resume à programação da nossa própria realidade através da manipulação de aglomerados apropriados de palavras, sons, imagens e energia emocional (prajna). Mas a faceta da magick que mais desconcerta, espanta e escandaliza a mentalidade moderna é aquela em que, agindo á distância, o operador programa a realidade de outra pessoa. Para este tipo de mentalidade, a afirmação de que seria possível programar uma dor de cabeça para o presidente dos Estados Unidos pareceria incrível e insultuosa. Pessoas assim poderiam aceder em que essa manipulação de energia fosse possível caso o presidente estivesse informado dos nossos propósitos, mas nunca aceitariam que o feitiço funcionasse também se o seu receptor não se encontrasse consciente da maldição.
Sendo assim, o materialista afirmará então que todos os casos em que, nestas condições, a magia parece resultar, não passam de ilusões, enganos, alucinações, “coincidências,” má compreensão, “sorte,” acidente ou pura fraude.
Ao tomar esta atitude, o materialista não parece compreender que ela equivale a afirmar que, afinal, a realidade é mesmo termo-plástica – pois está a admitir que muitas pessoas vivem em realidades diferentes da sua. Mas em vez de o deixarmos debatendo-se com esta auto-contradição, sugerimos-lhe que consulte Psychic Discoveries Behind the Iron Curtain, de Óstrander e Schroeder – e especialmente o capítulo 11, “Dos Animais à Cibernética: A Procura duma Teoria da Psi.” Poderá então perceber que, quando a matéria acabar por ser totalmente compreendida, não existe nada que um materialista precise de rejeitar na ação mágica á distância, que está a ser amplamente explorada por cientistas afetos à rígida causa do materialismo dialéctico.
Aqueles que têm mantido vivas as antigas tradições da magick, como a Ordo Templi Orientalis, compreenderão que o segredo essencial é sexual, e que podemos encontrar mais luz nos escritos do Dr. Wilhelm Reich do que nas atuais pesquisas soviéticas. Mas o Dr. Reich foi encarcerado como tolinho pelo governo americano e não nos passaria pela cabeça pedir aos nossos leitores que considerem a hipótese do governo americano alguma vez se haver enganado.
Qualquer psicólogo adivinhará imediatamente os significados simbólicos mais prováveis da Rosa e da Cruz; mas nenhum psicólogo dedicado à pesquisa psi parece ter alguma vez aplicado esta chave na decifração dos textos mágicos tradicionais. A mais antiga referência à franco-maçonaria em inglês surge em “Muses Threnody” de Anderson, 1638:
Porque nós somos irmãos da Cruz Rosada
Nós temos a Palavra Maçónica e a segunda visão (1)
Mas nenhum parapsicólogo seguiu ainda a pista evidente contida nesta conjunção da rosa vaginal, a cruz fálica, a palavra da invocação e o fenômeno da projeção do pensamento. Parte desta cegueira pode ser explicada pelos tabus contra a sexualidade que ainda se encontram latentes na nossa sociedade; sendo a outra parte o medo de abrir a porta ás formas de paranoia mais insidiosas e subtis. (Se a magick pode funcionar à distância, diz o pensamento reprimido, qual de nós se encontra seguro?) Um estudo profundo e objectivo da histeria anti-LSD na América iluminará melhor os mecanismos de evitamento aqui discutidos.
O racionalista descobrirá evidentemente ainda outras ofensas e afrontas no estudo mais aprofundado da magick. Todos sabemos, por exemplo, que as palavras não passam de convenções arbitrárias sem nenhuma ligação intrínseca com as coisas que simbolizam. No entanto, a magick utiliza as palavras de tal modo que parece implicar a existência de alguma conexão, ou mesmo identidade, deste tipo. Se o leitor se encontrar disposto a analisar alguns excertos de linguagem geralmente não considerados como mágicos, poderá conseguir descobrir parte da resposta. Por exemplo, o padrão 2 + 3 do “lo Pan! lo Pan Pan!” de Crowley não difere muito do 2 +3 de “Santa Maria, Mãe de Deus.” Assim, quando um mágico nos diz que. no momento mais intensamente emocional da evocação, devemos gritar “Abracadabra” e nenhuma outra palavra, ele está a exagerar; poderíamos utilizar outras palavras; mas faremos abortar os resultados se nos afastarmos muito do ritmo pentatónico de “Abracadabra.”
O que nos trás de volta à teoria mágica da realidade.
Escreve o Mahatma Guru Sri Paramahansa Shivaji em Ioga para Tolinhos:
Consideremos um pedaço de queijo. Dizemos que ele tem certas qualidades, como forma, estrutura, cor, solidez, sabor, cheiro, consistência e outras mais; mas a investigação demonstrou que elas são todas ilusórias. Onde se encontram então estas qualidades? Não no queijo, pois observadores diferentes farão descrições delas muito diferentes. Em nós também não, pois não as sentimos na ausência do queijo.
Que qualidades serão então essas sobre as quais nos sentimos tão certos? Elas não existiriam sem os nossos cérebros; não existiriam sem o queijo. São o resultado da união, isto é, do Ioga, daquilo que vê e daqui-lo que é visto, do sujeito e do objecto…
Um físico moderno não encontraria aqui motivo para discórdia; e esta é a teoria mágica do universo. O mágico assume que a realidade sentida – o conjunto de impressões filtradas pelos sentidos e processadas pelo cérebro – é radicalmente diferente da chamada “realidade objectiva.” Como disse William Blake, “O louco não vê a mesma árvore que o sábio vê.” Sobre a realidade supostamente “objectiva” pouco mais podemos fazer do que especular ou elaborar teorias que, se formos muito cuidadosos e subtis, não contradirão nem a lógica nem os relatos dos sentidos. Esta falta de contradição é a lógica; existem sempre algumas divergências entre a teoria e a lógica, ou entre a teoria e os dados dos sentidos. Por vezes passam-se séculos sem essas divergências serem descobertas (por exemplo, o afastamento de Mercúrio em relação ao cálculo newtoniano da sua órbita). E, mesmo quando é alcançada, esta falta de contradição prova apenas que a teoria não é totalmente falsa. Em caso algum prova que a teoria é totalmente verdadeira – pois, a partir dos dados disponíveis em determinada altura é possível construir um número indefinido de teorias. Por exemplo, as teorias de Euclides, de Gauss e Riemann, de Lobachevski e de Fuller resultam todas razoavelmente bem na superfície da Terra. Quanto ao espaço interestelar, não se tem ainda a certeza se o sistema que resulta melhor é o de Gauss-Riemann ou o de Fuller.
Ora, se dispomos assim de tanta liberdade para escolher as nossas teorias sobre a “realidade objectiva,” seremos ainda mais livres no aspecto da decifração da realidade sentida. A pessoa média vê como foi ensinada a ver – isto é, como foi programada pela sociedade. O mágico é um auto-programador. Usando a invocação e a evocação – que, como mostramos acima, são funcionalmente idênticas ao auto-condicionamento, à auto-sugestão e à hipnose – ele seleciona ou orquestra, como um artista, a realidade sentida. (É evidente que, inconscientemente, todos procedemos assim; ver o parágrafo sobre o queijo. O mágico, agindo conscientemente, controla esse processo.)
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Nota:
(1) N. do T. – No original, “For we be brethren of the Rosey Cross / We have the Mason Word and second sight.”
Bibliografia: Robert Anton Wilson, O Livro dos Illuminati.
Editora Via Óptima, Porto, 1º edição, Dezembro de 1985.